POEMA 193 (2015-2017)

Poema 193 tem seu porto de partida a partir da experiência do vídeo em que pequenos incêndios são provocados no interior de conchas desabitadas. O vídeo é editado em slowmotion e todos os ruídos captados em volta do ateliê ganham uma dimensão densa e assumem a função de ‘voz do incêndio’. Simbolicamente, o trabalho discute a problemática dos incêndios criminosos que estão circunscritos à disputa imobiliária e especulações. Objetivamente, os incêndios criminosos operam no sentido de desocupar as áreas atingidas para que empreendimentos imobiliários sejam construídos nelas. Um processo muito semelhante ocorre com a lógica do mercado que envolve as conchas do mar, uma vez que muitas delas não são encontradas na praia, mas postas à venda quando o molusco é retirado de sua casa-corpo.





Sinistro - Vídeo Instalação

A fuligem oriunda dos incêndios aderia a minha pele e manchava tudo que eu tocava. As finíssimas partículas daquele material amorfo dispersado pela fumaça, uma das formas mais puras de carvão, em pouco tempo estava por toda parte. O desenho já se manifestava no espaço. Nas primeiras tentativas de sedimentar a fuligem sobre o papel, o limite da fragilidade do suporte acompanhava o iminente risco da queima que poderia levar à perda total. Era uma espécie de segundo agente realizador do desenho. A superfície do papel, posicionada acima da chama da lamparina, recebia toda a fuligem liberada pelo fogo e nunca era possível determinar a imagem a ser gerada, no máximo, deixar a porta ou a janela semiaberta para que o vento pudesse sutilmente ajudar na direção. Em várias situações, antes mesmo de fixar a fuligem com verniz, ciente da delicadeza e efemeridade de seu estado puro, submeti os desenhos à ação do lugar: fixei-os na parede ou no chão para que pequenos insetos caminhassem sobre ele, deixando rastros, ou aproveitei raros serenos, permitindo que gotículas de água da chuva interviessem sobre a fuligem. Sujeitar os trabalhos a pequenos eventos promovidos pelo entorno fez de Poema 193 mais que uma realização conjunta, uma vasta cerimônia composta de gestos, práticas, observações e escutas envolvendo simbologias extremamente sensoriais. Embora não houvesse uma intenção inicial, o conceito de ritual, em Poema 193, foi ampliado, acima de tudo, pelo lugar vivo e pela vida produzida ali.

Sem Título - Grafite e fuligem sobre papel

Sem Título - Grafite, caneta esferográfica e processo de queima sobre papel.

Sem Título - Grafite, caneta esferográfica, fuligem e processo de queima sobre papel.

Sem Título - Grafite, caneta esferográfica, fuligem e pingos de chuva sobre papel.

Sem Título - Grafite, caneta esferográfica fuligem e processo de queima sobre papel.

Homem-Bomba 3 - Grafite, caneta esferográfica e fuligem sobre papel.

Sem Título - Grafite, caneta esferográfica, fuligem e processo de queima sobre papel.

Sem Título - Caneta esferográfica e fuligem sobre papel.

Sem Título - Grafite, caneta esferográfica e processo de queima sobre papel.

Sem Título - Grafite, caneta esferográfica, fuligem e pingos de chuva sobre papel.

Homem-Bomba 4 - Grafite, caneta esferográfica, fuligem e processo de queima sobre papel.

Sem Título - Grafite, caneta esferográfica e fuligem sobre papel.

Cerca de 200 conchas foram completamente ‘tingidas’ com fuligem e espalhadas pelo chão na exposição individual ‘Poema 193', na FUNARTE Brasília. A instalação, em diálogo direto com o vídeo ‘Sinistro’, opera como uma espécie de resultado pós incêndio, onde o vídeo vem a ser um desenho expandido. As ‘pequenas casas’ incendiadas ainda persistem enquanto materialidade e potência estética.




Sem Título - Fuligem sobre conchas.